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No ensino médio, eles visitaram a USP e agora cursam a graduação em Estatística e Ciência de Dados

Ex-alunos da escola Sebastião de Oliveira Rocha tornaram-se calouros da Universidade depois de conhecerem o curso durante projeto de extensão

GABRIELE MACIEL – SÃO CARLOS

Uma visita ao Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em junho de 2024, foi o ponto de virada para dois estudantes do 3º ano do ensino médio da escola estadual Sebastião de Oliveira Rocha, em São Carlos. Naquele dia, Bernardo José da Silva e Kauan Yuri Garcia de Souza participaram de uma atividade de extensão organizada pelas professoras Reiko Aoki e Katiane Conceição , do ICMC.

A ideia era apresentar as possibilidades das áreas de estatística e ciência de dados, que, segundo as professoras, ainda são pouco conhecidas por estudantes do ensino médio. No entanto, a iniciativa acabou provocando um impacto ainda maior, despertando senso identitário e até mesmo uma vocação em Bernardo e Kauan. Os dois não só prestaram vestibular para o curso, como conquistaram duas das 40 vagas da turma de 2025. “Foi muito emocionante reencontrá-los agora como calorosos. Além deles, mais de dez estudantes que participaram da visita interessaram uma vaga no curso. Isso mostra como a experiência realmente fez diferença”, conta a professora Reiko.

Para Kauan, ser um aluno da USP está realizando um sonho. “Está sendo uma adaptação divertida. Claro, ainda não feito as primeiras tentativas, talvez eu sofra depois, mas por enquanto está sendo maravilhoso”, brinca. Bernardo compartilha o mesmo entusiasmo. “Para mim também está sendo ótimo. É bastante conteúdo, exige esforço, mas como eu gosto do que estou estudando, estou curtindo o processo”, afirma.

Vindos da periferia de São Carlos, Bernardo e Kauan tiveram a oportunidade de estudar em uma escola pública de período integral que não apenas oferecia um ensino de qualidade, mas também incentivava a busca por novos horizontes acadêmicos. “Os professores eram exigentes e profundamente engajados com a formação dos alunos. Eu não teria escolhido meu caminho com tanta clareza se não fosse por eles”, reflete Bernardo.

Para Kauan, a experiência na escola estadual foi o alicerce para o que ele desejava como futuro. “O ambiente que a escola proporcionou foi o primeiro passo para a Universidade, para a vida que eu quero construir. Agora, meu desejo é pensar em como retribuir tudo isso”.

A visita – A atividade proposta pelas professoras Reiko e Katiane em junho de 2024 integrou alunos ingressantes e veteranos do curso de Estatística e Ciência de Dados , que se uniram para construir uma experiência interativa para os estudantes do ensino médio. Com criatividade, desenvolveu um jogo baseado em estratégias probabilísticas — uma forma divertida de mostrar, na prática, como a estatística pode ser uma aliada na tomada de decisões e até no aumento das chances de vitória. “Nosso objetivo era que os alunos quisessem ver a estatística com outros olhos. Que entendessem como ela se conecta com o cotidiano, com os jogos, com o julgamento lógico”, explica Reiko.

Segundo ela, a atividade também teve um papel importante para os calouros, que tivemos que pesquisar sobre o curso para montar a apresentação aos alunos do ensino médio. Além disso, o trabalho em grupo com os alunos mais experientes promoveu um amadurecimento. “Nossos alunos se dividiram em grupos para acompanhar os visitantes, guiando-os pelos espaços da Universidade e conversando sobre as vivências do curso, projetos, dificuldades, descobertas. Foi um dia muito rico”, completou.

Durante a visita, os estudantes do ensino médio também foram apresentados às inúmeras possibilidades de auxílios que a Universidade oferece, pois muitos ainda desistem do ensino superior por não possuírem recursos para se manterem na graduação. Além disso, eles conheceram a Biblioteca Achille Bassi , do ICMC, as salas de aula do Instituto e o Centro de Educação Física Esportes e Recreação (CEFER) da USP São Carlos. Houve, ainda, uma palestra ministrada por Dorival Leão Pinto Júnior , ex-docente do ICMC, sobre estatística na era da inteligência artificial. “Ele falou das experiências que viveu na carreira, das portas que a estatística abriu. Quando ele começou a falar de teoria dos jogos, então, fiquei fascinado”, descreveu Bernardo.

Kauan também saiu impactado. A visita não foi a primeira que fez à USP, mas foi a mais significativa: “Já tínhamos ido à USP antes, mas dessa vez foi diferente. Acho que foi a primeira vez que eu me vi ali de verdade”.

Com o sucesso da edição do ano passado, as professoras Reiko e Mariana Cúri já programaram uma nova edição da visita, que ocorrerá no dia 30 de maio. “Poder oferecer esse conhecimento de volta à escola pública, de onde muitos também vieram, é algo que transforma”, acrescenta Reiko.

De caloros a multiplicadores – Bernardo e Kauan já estão totalmente integrados à vida universitária e participam de um grupo que busca desenvolver a primeira edição da Olimpíada Brasileira de Estatística para o Ensino Médio. A iniciativa tem como objetivo despertar o interesse de jovens da rede pública pela área. “Estamos ajudando na validação das questões, para garantir que o conteúdo seja compatível com o que é ministrado no ensino médio público. Também estou colaborando com o desenvolvimento do site e com o banco de dados”, explica Kauan.

A experiência recente no ensino médio tem sido um diferencial importante na criação da olimpíada. “Como acabamos de sair do ensino médio, conseguimos oferecer um olhar mais sensível sobre o que é acessível e atrativo para os alunos”, acrescenta Bernardo.

Enquanto olhamos para transformar a maneira como a estatística chega aos estudantes do ensino básico, os dois também começam a desenhar os seus próprios caminhos. “Meu objetivo é conseguir um bom emprego, alcançar estabilidade financeira e depois retribuir, de alguma forma, o conhecimento que obtive. Quero empreender ou trabalhar com impacto social”, conta Kauan.

Bernardo, por sua vez, ainda está explorando possibilidades: “Quero atuar na área, sim, mas também penso muito em ensinar. Sempre gostei de explicar as coisas para os colegas. Em outro país, onde o professor fosse mais valorizado, talvez eu já tivesse seguido por esse caminho. Ainda posso, quem sabe? Participar da criação da olimpíada já é uma forma de contribuir com a educação pública”. (Texto Gabriele Maciel, da Fontes Comunicação Científica)

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