Araraquarense com câncer e pouca perspectiva de vida “renasceu” após bênção do papa
A publicitária Fabiana Azzolini chora ao relembrar o encontro com o Sumo Pontífice em 2019, quando não havia mais esperança de recuperação
ANTÔNIO CRISPIM – ARARAQUARA

A morte do Papa Francisco no dia 21 de abril, dia histórico para o Brasil, dedicado a Tiradentes, o herói da inconfidência, consternou milhões de pessoas por todo mundo. A publicitária Fabiana Azzolini, de Araraquara, mas que reside atualmente em Ribeirão Preto, está entre as milhares de pessoas que choraram pela morte do Pontífice. Mas ela tem uma razão especial para sentir-se triste pela perda. Em março de 2019, em meio aos milhares de fiéis que estavam na Praça de São Pedro, no Vaticano, para ver o Papa – inclusive ela – foi o Papa que a viu e se dirigiu até onde ela estava para abençoá-la. Paciente de câncer em estado terminal, Fabiana ganhou força para enfrentar a doença. Renasceu para a vida. Hoje, passados seis anos do encontro com o Pontífice, ela admite que a sua vida mudou Os tumores estagnaram e ela ganhou em qualidade de vida. “Não posso falar em milagre. Mas o Papa Francisco mudou a minha vida˜, confessa Fabiana entre lágrimas.
Em 2014, aos 40 anos e vivendo a plenitude profissional, com muitos projetos pessoais para o futuro, Fabiana viu os sonhos ruirem com o diagnóstico de câncer no peritônio. Trata-se de um tipo raro de câncer de evolução lenta e que geralmente acomete homens com mais de 50 anos. Nela foi exatamente o contrário. Foi rápido e agressivo. Fez a cirurgia e retirou o tumor, que era muito grande. Fez quimioterapia, mas logo surgiram outros tumores no fígado e espalhou para outros órgãos. Chegou a ter perspectiva de vida de apenas um ano e meio. Não se abalou. Com apoio da família e pessoas próximas, encarou várias cirurgias – foram mais de 10 – e centenas de sessões de quimioterapia.
Com lágrimas nos olhos, Fabiana recorda que foram anos de muito sofrimento e luta. Mas manteve sempre a esperança. Porém, a cada dia estava pior. Por isso, resolveu realizar seus sonhos de viagem, locais que queria visitar antes de morrer. A internet facilitou isso, pois mesmo em viagem, seu médico fazia o acompanhamento, até mesmo prescrevendo medicamentos. As limitações de seu quadro grave de saúde não a impediam de viajar. No entanto, seu quadro geral estava piorando.
De família de formação católica praticante, Fabiana foi batizada e frequentava a igreja. Porém, mais recentemente, descobriu o espiritismo kardecista. Contudo, com a posse do Papa Francisco, disse que passou a acompanhar as ações do novo líder católico, que começou a se destacar pelo seu modo misericordioso de agir, passou a admirar o Papa Francisco. “Eu o amo desde sempre”, disse.
Segundo Fabiana, no início de 2019, seu quadro era crítico. Fazia a quimioterapia mais adequada existente no Brasil, mas os efeitos colaterais eram devastadores e pouco resultado clínico no combate ao câncer.
Como uma amiga com a qual havia trabalhado no Brasil estava morando em Firenze (Florença, em português), decidiu visitá-la. Como iria sozinha, a princípio elaborou um roteiro mais próximo da cidade. No entanto, outra colega decidiu ir com ela. Juntas elaboraram um roteiro mais abrangente, incluindo uma missa celebrada pelo Papa. Foi o despertar. Sentiu que precisava da bênção de Francisco.
Alguns dias antes da viagem, em jantar com um casal de amigos, falou de seu roteiro. O amigo, que já conhecia o Vaticano, deu dicas como onde focar para ser vista, entre outras. Na conversa, surgiu a ideia de levar um banner. Como publicitária, Fabiana sabia que precisava atrair a atenção do Papa. Fez um banner pequeno com as bandeiras do Brasil, da Argentina e do Vaticano de um lado e a imagem de Nossa Senhora. “Sei que o Papa é marianista e eu também sou. Por isso a imagem no baner”, disse. Além disso, escreveu que tinha um câncer incurável e que tinha ido do Brasil para receber a bênção do Papa.
Movida pela fé em busca da bênção do Papa

Fabiana e a amiga foram para a Itália. Na programação inicial a visita a Roma seria na sexta-feira. Porém, ficaram sabendo que o Papa faria celebração na quarta-feira. Decidiram antecipar a viagem. Foi uma aventura a viagem de trem de Firenze a Pisa, onde chegaram de madrugada e com tudo fechado. A viagem de trem foi uma aventura e de muito medo devido a alguns viajantes.Em Pisa, como tudo estava fechado, ficaram em um café até o horário do trem para Roma.
“Chegamos cedo em Roma. A fila era pequena, cerca de 100 metros. Porém, as pessoas chegavam rapidamente e logo estava uma multidão. Percebi que as pessoas estavam com convite para a audiência papal. Este convite se consegue com muita antecedência. Eu não tinha este convite”, acrescentou Fabiana, citando que ela e a amiga foram ao local onde era feita a entrega do convite. Conversaram com uma freira, mas ela não entendeu o idioma. A própria feira chamou o guarda, que conversou com Fabiana em inglês, mas disse que não precisava do convite. Elas ficaram receosas porque todo mundo tinha o convite. “Estava chorando, porque sentia que poderia não entrar. A freira me puxou e acenou com um convite, indagando se era isso que eu queria. Peguei e disse que precisava de mais um para a minha amiga, Ela me entregou. Naquela hora eu chorei muito, pois sabia que ia conseguir (a bênção do papa)˜, acrescentou Fabiana, frisando que naquele momento, em meio à emoção, tinha certeza que ia conseguir.
Quando abriram os portões da Praça São Pedro, o povo invadiu. Debilitada, pois estava fazendo quimioterapia diária (oral) e com limitações de mobilidade, Fabiana ficou para trás. A amiga correu e sentou próximo ao corredor do meio. Não era exatamente o local que Fabiana havia imaginado. Queria sentar na frente. Novamente recorreu a um guarda, citando que era paciente de câncer e que tinha ido a Roma em busca da bênção do Papa. Comovido, o guarda conversou com um colega por rádio, perguntando sobre espaço na frente. A resposta inicial foi negativa, mas em seguida deu sinal que tinham surgido dois lugares. Fabiana não acreditou. Primeiro os convites e agora dois lugares. A emoção tomou conta. Novamente chorou. A amiga correu para segurar os dois lugares. Era tudo que queriam.

Acomodada no local desejado, Fabiana pendurou o banner na grade com o cabo do telefone. “Quando o Papa chegou à praça no papamóvel, eu vi que ele estava lendo o meu banner. Pensei, isso vai acontecer. Quando ele passou, acenando para o público, ele fez um movimento diferente para mim. Indaguei para a amiga se foi para mim. Ela confirmou, foi”, acrescentou Fabiana,
De acordo com Fabiana, o Papa tocou na perna do secretário que o acompanhava e este fez um sinal para ela. Ali teve certeza de que o Papa tinha lido a sua mensagem. O Papa seguiu seu itinerário, percorrendo várias partes da praça.
“Quando ele voltou, passou reto. Pensei comigo, aquilo já era uma bênção. Está bom. Ele olhou para mim e se manifestou. No entanto, de repente o papamóvel parou um pouco mais à frente. Ele desceu e veio em minha direção. Naquela hora eu achei que fosse morrer. Meu Deus, será que ele está vindo. Só que tinha uns mexicanos do meu lado com uma grande bandeira começaram a gritar o nome do país e estender a bandeira. Creio que fiquei encoberta e o Papa passou reto. O secretário o alcançou e disse: ela está lá. Eu vi que era comigo. Ele veio em minha direção. Não consigo explicar aquele momento. Foram segundos de muita emoção. A multidão veio sobre mim e ele advertiu. A moça que estava atrás de mim, que também era brasileira, disse, é só ela. Ele parou em minha frente. Colocou a mão sobre a minha cabeça e me benzeu. Ele me deu um terço de pérola, a jóia mais rara, mais preciosa que eu tenho. Foi assim, ele subiu e foi celebrar a missa˜, contou Fabiana entre lágrimas, citando que foi vista pelo Papa em meio a milhares de pessoas com faixas e cartazes. “Ele viu a mim”. Ela disse que a partir daquele momento sentiu-se outra pessoa. “Tenho a bênção do Papa. Posso tudo”, resumiu. Ganhou força para lutar. Chegou a percorrer um quilômetro e meio até o Vesúvio. Uma escalada.

Retorno ao Brasil e tomada de decisões difíceis
Segundo Fabiana, naquele momento estava na última opção de quimioterapia. Havia muitos efeitos colaterais, como bolhas nos pés que a impediam de andar, bolhas na boca. Não tinha qualidade de vida. Era uma quimioterapia que a debilitava demais. Estava muito ruim. Mas era a alternativa que tinha para o momento e que seria por longo período. A situação era dramática,
Em comum acordo com a família e o corpo médico que a assistia, Fabiana decidiu submeter-se a mais uma cirurgia para retirada de todos os tumores, pois a quimioterapia não estava surtindo os efeitos esperados. O câncer tinha se alastrado do esôfago ao mesentério.
“Decidi que o melhor caminho seria a cirurgia. Com a bênção do Papa me senti fortalecida para isso. Pensei, vou pegar na mão do Papa e enfrentar. Assim foi feito. Foram retirados 35 tumores. Ficaram apenas os tumores do fígado (são incontáveis) e um no esôfago. Com cirurgia tão radical, não foi feita mais quimioterapia, Não posso dizer que o Papa me curou, mais alguma coisa mudou. Isso faz quatro anos e não tive mais metástase e nem crescimento dos tumores do fígado e não apareceu mais nenhum tumor. Eles não estão mortos. Têm atividade, eu sei. Mas não sinto nada. Eles não crescem. Eu estou há quatro anos, graças a Deus e graças ao Papa Francisco, sem grandes problemas. Isso já é uma sobrevida que eu contava”, disse emocionada Fabiana, enfatizando que não tinha perspectiva desta sobrevida, lembrando que no começo, no primeiro ano da doença, quando atingiu o fígado, no Hospital de Câncer de Barretos deram expectativa de vida de apenas um ano e meio.
A desesperança deu espaço à fé e ao amor

Fabiana disse que sofreu muito desde a internação do Papa. Chorou muito neste período. “Não imaginei que a bênção dele fosse me fazer viver para vê-lo morrer”, afirmou entre lágrimas. “Quando fui para a Itália em busca da bênção do Papa, eu estava em uma fase desesperançosa da vida. Eu achava que Deus tinha me abandonado. Eu chorava muito e indagava: O senhor me abandonou? Eu não vivo, mas também não morro.O senhor esqueceu de mim? Como é que eu faço para continuar sozinha? Eu estava muito desesperançosa mesmo”, reafirmou Fabiana.
“ Quando o Papa colocou a mão na minha testa, é uma loucura, mas eu ouvi claramente Deus falando para mim – era isso que você queria, filha, uma prova de que eu estou com você? Segue o teu caminho. Eu vou estar sempre com você”, disse,
Manter a qualidade de vida

Depois de onze anos convivendo com o câncer e mais de uma dezena de cirurgias e centenas de sessões de quimioterapia, Fabiana disse que tem problemas, mas que a sua vida mudou muito. Tem limitações decorrentes da quimioterapia e baixa imunidade. Mas a sua qualidade de vida nem se compara ao período que antecedeu à bênção do Papa. “Tenho um corpo bastante judiado devido às muitas cirurgias e oito anos de quimioterapia. Mas levou uma vida normal. Devo isso ao Papa Francisco. Reitero que não posso afirmar que ele me curou, mas certamente me deu condições de enfrentar a doença e os desafios de outra forma. Hoje posso sonhar e ainda tenho muitos sonhos para realizar˜, finalizou Fabiana Azzolini.