IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS DOS TEMPLOS RELIGIOSOS: ENTRE A LIBERDADE DE CRENÇA E A TRANSPARÊNCIA FISCAL
CIBELE PEREIRA MELO
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988, ao vedar a instituição de impostos sobre templos de qualquer culto (art. 150, VI, “b”), consagra uma das mais relevantes proteções à liberdade religiosa no Brasil. Esse dispositivo surge no contexto de um Estado formalmente laico, mas que não abre mão de segurança, como cláusula pétrea, o exercício e a expressão das diversas divergências. A partir de um panorama histórico, conceitual e jurisprudencial dessa imunidade, evidenciam-se dois critérios essenciais para seu alcance: (i) uma entidade deve se caracterizar como templo religioso; e (ii) sua renda, patrimônio e serviços devem estar vinculados às suas atividades essenciais, como cultos, liturgias e assistência social.
2. A IMUNIDADE COMO EXPRESSÃO DE LIBERDADE RELIGIOSA
Do ponto de vista constitucional, a imunidade tributária não é mera renúncia fiscal, mas uma garantia de que o Estado não interfira nas dimensões fundamentais da vida em sociedade. Ao proteger os templos, o legislador original buscou oferecer uma “exoneração de ordem constitucional” para que a fé e o culto — núcleos sensíveis do indivíduo — não sofram o cerceamento por obrigações econômicas. Essa abordagem reforça o caráter de neutralidade do Estado: não há privilégio a uma religião específica, mas sim o reconhecimento de que todas as confissões levantadas para a coesão social e para o amparo aos mais vulneráveis, sem se confundirem com fins lucrativos.
3. ATIVIDADES ECONÔMICAS E RISCO DE ABUSOS
Os templos podem desenvolver atividades econômicas — como aluguel de imóveis, bazares beneficentes e prestação de serviços — e manter a imunidade, desde que os recursos sejam integralmente aplicados na missão religiosa e social. Essa flexibilidade é louvável, pois acompanhará a necessidade de sustentabilidade das instituições no século XXI. Contudo, ela abre espaço para interpretações extensivas que podem dispensar qualquer controle mais rigoroso. Foram examinadas decisões do STF que, por interpretação teleológica, ampliaram a imunidade a imóveis localizados e anexos, sem exigir a prestação de contas detalhadas. Na minha opinião, essa amplitude precisa ser acompanhada de mecanismos de transparência: ao mesmo tempo em que acolhemos a imunidade, é necessário que as entidades publiquem relatórios anuais sobre a aplicação de recursos, garantindo a confiança pública.
4. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL E ECONOMIA PÚBLICA
Um dos argumentos mais fortes em favor da imunidade é o papel social desempenhado pelas igrejas e demais templos: creches, asilos, campanhas de ajuda a necessitados, atendimento psicológico e educação religiosa complementar. Ao aliviar encargos tributários, o Estado potencializa investimentos em serviços de campo, reduzindo gastos públicos diretamente. Mesmo reconhecendo a importância dessa atuação social, a chamada “renúncia fiscal” não deve servir de escudo para que grandes receitas tenham sem qualquer supervisão. É saudável que a imunidade estimule a filantropia religiosa, mas inaceitável que se transforme em omissão quanto à real destinação dos recursos.
5. O LAICISMO ENTRE PRIVILÉGIOS E NEUTRALIDADE
Os críticos apontam que, em um Estado laico, a autorização de templos representa um privilégio indevido, especialmente quando comparado a outras instituições sociais que não fornecem imunidade equiparável. Essa norma não fere o princípio da laicidade, mas o operacionaliza: o Estado não alimenta alguma crença, mas assegura igualdade de tratamento a todos, desde que não pratiquem abusos de poder econômico nem atentem contra os bons costumes. Mantendo-se a exigência de aplicação dos recursos às atividades essenciais e o respeito ao princípio da livre concorrência, entende-se que a imunidade se harmoniza com a neutralidade estatal, em vez de contradizê-la.
6. PROPOSTA DE APRIMORAMENTO
Para conciliar liberdade religiosa e responsabilidade fiscal, sugere-se:
a) Regulamentação complementar – Uma lei federal específica poderia definir prazos e critérios mínimos de transparência, sem exigência de processo tributário, mas garantindo o acesso à prestação de contas anuais.
b) Certificação de atribuições essenciais – Órgãos de controle social (como conselhos de fé ou comissões multipartidárias) verificariam, uma vez a cada três anos, a compatibilidade das atividades com a missão declarada.
c) Sanções proporcionais – Caso se comprove desvio de finalidade ou obtenção de lucros distribuídos, a imunidade incidiria apenas sobre a parte legítima, restabelecendo o regime tributário normal para valores indevidamente utilizados.
7. CONCLUSÃO
A imunidade tributária dos templos religiosos se impõe como garantia fundamental da liberdade de crença e culto no Brasil, consagrada pela Constituição e positivada em audiência superior. Ela estimula a atuação social e assegura a subsistência das instituições religiosas, mas requer aprimoramentos que reforcem a transparência e coíbam eventuais abusos. Um Estado verdadeiramente laico e solidário não se renuncia a renúncias fiscais sem controle; pelo contrário, promove medidas que equilibrem a autonomia religiosa com a necessidade de prestação de contas à sociedade. Assim, preserve-se o direito fundamental ao culto e fortaleça-se a democracia fiscal.