Zanatta revoga decreto que foi alvo de representação ao Ministério Público
Representação foi feita pelo ex-vereador Marcelo Martin Andorfato; decreto previa acréscimo de 10% dos encargos dos procuradores municipais no ato da inscrição do débito na dívida ativa
ANTÔNIO CRISPIM – ARAÇATUBA
O prefeito de Araçatuba, Lucas Zanatta, baixou decreto na quinta-feira (5), publicado no Diário Oficial Eletrônico do Município nesta sexta-feira (6), revogando o Decreto 23.892, de 4 de abril de 2025. Este mesmo decreto foi alvo de representação feita pelo ex-vereador Marcelo Martin Andorfato no dia 3 de junho de 2025. O documento revogado dispõe sobre cobrança extrajudicial da dívida ativa tributária e não tributária. “Realizada a inscrição em Dívida Ativa, deverão ser incluídos os encargos legais devidos aos Procuradores Municipais, nos termos dos arts. 6.º, § 2.º, e 29 da Lei Complementar Municipal nº 252/2016, art. 1.º, caput, da Lei Municipal nº 7.339/2011 e arts. 389 e 395 da Lei Federal nº 10.406/2022, no percentual de 10% (dez por cento) sobre o total da dívida atualizada, conforme previsto no art. 22, caput e § 2.º, da Lei Federal nº 8.906/1994 e arts. 85, §§ 2.º e 19, da Lei Federal nº 13.105/2015”, estabelece o artigo terceiro decreto do referido decreto. Foi exatamente este artigo que foi questionado pelo ex-vereador junto ao MP.
O pagamento de verbas sucumbenciais em Araçatuba é motivo de muitos questionamentos, porque até mesmo o Secretário de Negócios Jurídicos, que não atua nestes processos, é beneficiado. Ou seja, ganha, sem atuar. No entanto, isso está previsto em lei municipal. Enquanto esta lei não tiver a constitucionalidade questionada ou seja revogada, o pagamento é considerado legal. Esta é uma discussão que divide muitos juristas e que está chegando aos tribunais.
Quanto ao decreto revogado recentemente, a assessoria da Prefeitura de Araçatuba distribuiu uma nota esclarecendo o assunto. Veja a nota:
“O prefeito de Araçatuba, Lucas Zanatta, revogou hoje (6) o Decreto 23.892/2025. Com isso, está suspensa a aplicação de percentual de 10% sobre o total da dívida ativa atualizada de até R$ 10 mil a ser incluído nos encargos legais devidos aos procuradores municipais.
A decisão foi tomada após articulações feitas com a Câmara Municipal, por meio de interlocução com a presidente Edna Flor. “Defendo o debate democrático. Porque, se pudermos fazer melhor, faremos”, ressaltou o prefeito.
Agora, o assunto será debatido com o Legislativo e os procuradores municipais sobre a interpretação do que está previsto na Lei Federal 10.406/2022 e na Lei Complementar Municipal 252/2016 e a Lei Municipal 7.339/2011 para aplicação de acordo com a realidade de Araçatuba.”
Discutir a legislação
A lei 7.339/2011, à qual se refere a nota da Prefeitura, em seu artigo primeiro, dizia que os honorários advocatícios decorrentes de condenação arbitramento ou sucumbência, nos feitos em que a municipalidade figure como parte ou quando recolhido sob título de acréscimo incidente sobre o valor do débito fiscal inscrito para cobrança executiva, serão destinados integralmente aos procuradores municipais investidos no respectivo cargo público, ao Procurador Geral do Município, aos diretores do Departamento Jurídico, Chefe de Gabinete da Secretaria Municipal de Assuntos Jurídicos e ao Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos, contanto que regularmente inscritos nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
Este artigo foi alterado pela lei número 7.953, de 6 de julho de 2017, que passou a ter a seguinte redação: ˜Os honorários advocatícios decorrentes de condenação, arbitramento ou sucumbência, nos feitos em que a municipalidade figure como parte, ou quando recolhidos sob o título de acréscimo incidente sobre o valor do débito fiscal inscrito para cobrança executiva, serão destinados integralmente aos Procuradores Municipais, contanto que regularmente inscritos nos quadros de advogados da Ordem dos Advogados do Brasil e ativos. Serão também distribuídos, nos mesmos moldes, ao – Procurador Geral do Município e Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos”. A mesma lei estabeleceu no artigo segundo que os integrantes da carreira de Procurador Municipal deixarão de perceber honorários quando nomeados para cargo em comissão, desde que não sejam de procurador geral e Secretário de Negócios Jurídicos.
O Tribunal de Justiça de São Paulo já julgou inconstitucional leis de vários municípios que estendiam aos ocupantes de cargos comissionados o rateio das verbas sucumbenciais. Conforme fundamentações feitas, as ações são características da Advocacia Pública, cujos cargos só podem ser preenchidos mediante concurso público. Além disso, os ocupantes de cargos comissionados não podem exercer atividade técnica. Desta forma, secretários jurídicos não podem exercer a advocacia pública. Se recebem verbas sucumbenciais, o fazem sem atuar nos processos. No caso de Araçatuba, os secretários de Negócios Jurídicos participam do rateio e recebem somas consideráveis.
REVOGAÇÃO DO DECRETO
Na representação ao Ministério Público, o ex-vereador Marcelo Andorfato cita vários pontos que considera irregulares,
“É de se verificar que o Decreto Executivo nº 23.892/2025, ao instituir a cobrança de honorários advocatícios em sede administrativa, afronta o princípio da legalidade, consagrado no artigo 37 da Constituição Federal de 1988. Este princípio exige que todos os atos da administração pública sejam pautados por legislação específica, sendo vedada a criação de obrigações sem a correspondente previsão legal. A ausência de lei municipal que autorize tal cobrança torna o dispositivo do decreto em questão manifestamente ilegal. Além disso, o artigo 85 do Código de Processo Civil estabelece que o vencido em processo judicial pagará honorários advocatícios ao vencedor, não havendo previsão para tal cobrança em processos administrativos. Ademais, o artigo 98 do mesmo Código assegura o direito à gratuidade da justiça para pessoas com insuficiência de recursos, o que se estende, por analogia, à esfera administrativa, impedindo que sejam cobrados honorários advocatícios sem previsão legal”, diz.
Para Andorfato, a simples revogação não é suficiente, pois impede a cobrança a partir da publicação do decreto de revogação, mas não garante restituição se, por acaso, alguém já fez o pagamento dentro da norma revogada.
Como afirmou a nota, o assunto deverá ser tratado a partir de agora com o legislativo e os procuradores.