O jogo da vida
CINTHYA NUNES
O que acontece para que uma pessoa, uma única pessoa, sobreviva a um terrível acidente aéreo, que vitimou outras 241 a bordo? O avião, um Boing 787, da Air Índia, seguia para Londres e, segundos após levantar voo em solo indiano, por motivos ainda não totalmente esclarecidos até o momento em que escrevo, caiu e, ao colidir com o solo, explodiu.
Ao que se sabe, o sobrevivente, um homem de 40 anos, britânico, mas de ascendência indiana, visitava a família, ao lado do irmão, que não sobreviveu. Ocupante da cadeira 11-A, ele afirma que perdeu a consciência e, ao acordar, estava cercado pelos corpos dos outros passageiros.
Talvez, nos próximos dias, descubra-se mais sobre as circunstâncias que o cercam, mas, ao se confirmar que ele de fato estava no voo e sobreviveu, o fato é, no mínimo, algo a ser pensado. Sorte? Destino? Não faço a menor ideia, para ser muito franca. Em geral, costumo acreditar no Destino, em um caminho semi traçado, um roteiro que escolhemos e que nos é permitido, sujeito, porém, a reviravoltas, a perdões e a novas escolhas.
Em casos assim, porém, nem sei o que pensar, para além de lamentar profundamente pelos que não tiverem a mesma sorte, o mesmo destino. O jogo da vida tem regras paradoxais, complexas e simples ao mesmo tempo. Enquanto algumas são claras, expostas e possíveis de escolhas estratégicas pelos peões, outras são ocultas, indecifráveis, ao alcance apenas do Mestre, do dono do tabuleiro, de cuja face temos somente nuances.
Nenhum de nós tem, por exemplo, a contagem exata dos dias que nos serão dados. Seguimos vivendo como quem tem a eternidade, nesse grão de areia que é o tempo dos homens. Enquanto se desenha o parto, se escreve a lápide. Tudo uma fração de segundos, na fragilidade humana.
Ainda assim, eventualmente, algumas pessoas sobrevivem ao inesperado, mesmo diante do improvável, como, ao que consta, no presente caso. Haverá um especial propósito nisso ou o rolar de dados que remeteu um peão, sem querer, para fora da mesa? Pensando sobre isso, a única coisa que me ocorre é que, de uma forma ou de outra, guardadas as proporções, continuamos como nossos ancestrais, os homens das cavernas que lutavam, todos os dias, pela vida, alternando entre ser caça e caçador.
Saímos de casa diariamente, com o pensamento em um dia comum ou, de vivermos momentos especiais e, do nada, somos surpreendidos, para o bem ou para o mal. Os dias mais ordinários podem se transformar nas maiores alegrias, na surpresa de reencontros, nas boas notícias, nas horas maravilhosas na companhia de quem se ama, mas, também, podem guardar, um uma esquina, em um buraco, no céu, na terra ou no ar, um desafio, uma batalha e até o último suspiro.
O que fica, ao meu sentir, é que tudo pode ser, até o incrível de sobreviver em meio ao impensável. A grandeza de cada dia, o milagre de vive-lo, é algo de que precisamos nos conscientizar e aprender a dar valor. A vida, no fim das contas, é o que acontece enquanto rolamos os dados, prazer que desperdiçamos muitas vezes, esquecidos de que estar no jogo é o que importa.
Enquanto a partida está em curso, tudo pode ser, até sobreviver onde ninguém mais conseguiu e isso não é somente sobre aviões.