Debates sobre Governança Criminal e Agenda Legislativa marcam encerramento de Seminário sobre Crime Organizado e Mercados Ilícitos na USP
Os destaques do segundo dia foram a participação do procurador nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália, Giovanni Melillo, e dos deputados federais Pedro Paulo e Tabata Amaral.
DA REDAÇÃO – SÃO PAULO
A Universidade de São Paulo encerra nesta quarta-feira (25/6) o seminário internacional “Crime Organizado e Mercados Ilícitos no Brasil e na América Latina: Construindo uma Agenda de Ação”, promovido pela Escola de Segurança Multidimensional (ESEM), pelo Instituto de Relações Internacionais (IRI-USP), pela USP e pela Cátedra Oswaldo Aranha de Segurança e Defesa (COA).
Nesta quarta-feira, 25, um dos grandes destaques foi a presença do procurador nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália, Giovanni Melillo, que participou do evento logo após a formalização de um Acordo de Cooperação técnica entre o Ministério Público de São Paulo e a Procuradoria Nacional Antimáfia e Antiterrorismo da Itália (DNA). Firmado no âmbito da Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, o acordo tem por objetivo a promoção de cooperação direta entre as autoridades competentes, o intercâmbio de informações, a criação de equipes conjuntas de investigação e a capacitação de funcionários e agentes públicos como instrumentos fundamentais no combate ao crime organizado internacional.
“As redes criminosas têm uma vocação natural para entrelaçar os seus caminhos, não apenas nacional, mas regional e internacionalmente; e isso impõe às instituições que têm a responsabilidade no combate à criminalidade de unir os próprios esforços”, comentou Melillo. “Brasil e Itália enfrentam problemas criminais de extrema gravidade e precisamos de canais de comunicação contínua. O que se pretende é utilizar todos os instrumentos previstos no Direito internacional.”
O procurador italiano participou do painel As Estratégias Antimáfia e Antiterror da Itália em um Cenário de Economia Ilícita Aquecida ao lado do Coordenador Nacional do Grupo Especial para o Combate ao Crime Organizado (GAECO), José Adônis Sá; e do promotor do MPSP e referência no combate à corrupção sistêmica e ao crime organizado no Brasil, Fábio Bechara.
A programação do segundo dia do seminário teve como foco central os desafios da governança criminal, crime organizado e segurança pública. Após a participação de pesquisadores e autoridades nacionais e internacionais, os deputados Tabata Amaral (PSB-SP) e Pedro Paulo (PSD-RJ) encerraram o evento com a apresentação da nova agenda legislativa do Fórum de Segurança Pública da Câmara dos Deputados. As propostas — desenvolvidas com apoio da organização social Comunitas — abrangem desde a regulação de mercados vulneráveis à infiltração do crime organizado, crimes cibernéticos, ilícitos financeiros e controle de territórios por organizações criminosas.
“A segurança pública é uma questão importante e que preocupa os brasileiros. O populismo penal é uma forma de chamar a atenção para ganhar votos. Mas não resolve o problema da violência. Precisamos de soluções efetivas, que respeitem os direitos humanos e dialoguem com as necessidades da população. Tenho atuado no Congresso contra crimes digitais, que estão ligados a roubos de celulares e a organizações criminosas, cada vez mais infiltradas em todas as esferas da nossa vida”, afirmou Tabata.
“Um dos pontos fundamentais no combate à criminalidade é que a gente possa ter um marco legal para ampliar as possibilidades de combate à criminalidade, e algumas das linhas seriam legislações, melhora do arcabouço legal para o combate aos mercados ilícitos e às organizações criminosas. Isso é algo que estamos fazendo na Câmara dos Deputados, em parceria com a Comunitas e apoio da USP – a partir do trabalho do professor Leandro Piquet“, afirmou o deputado Pedro Paulo. “Ao final desse trabalho, a expectativa é ter um conjunto de propostas legislativas que aumentem todo esse aparato legal, no Código de Processo Penal, no Código Penal, na Constituição, ou em leis ordinárias que possam dar mais instrumentos para o combate à criminalidade, que reduzam as possibilidades de crimes ilícitos.
Realizado em São Paulo nos dias 24 e 25 de junho, o evento reuniu mais de 300 pessoas ao longo de dois dias e consolidou-se como um dos principais fóruns do País sobre o enfrentamento ao crime organizado. “Esse evento organiza dois debates fundamentais: a visão sobre a expansão do crime organizado, da sua transnacionalização, e a conexão desse processo com a expansão dos mercados ilícitos e a demanda por bens e serviços lícitos e ilícitos, mas em escala global”, destacou o professor Leandro Piquet.
Especialistas ampliam o debate internacional
O evento contou com nomes de destaque da comunidade acadêmica e do sistema de justiça. Pela manhã, Rodrigo Soares, economista e vice-presidente de Assuntos Acadêmicos do Insper, apresentou o painel sobre Organizações Criminosas na América Latina, com base em suas pesquisas internacionalmente reconhecidas acerca dos impactos do crime sobre o desenvolvimento econômico.
Na sequência, Benjamin Lessing, professor associado de Ciência Política na Universidade de Chicago e referência internacional em violência política e governança criminal na América Latina, abordou o tema Governança Criminal na América Latina. Lessing revelou como as organizações criminosas, a exemplo do PCC em São Paulo, vão além da violência, exercendo governança que pacifica comunidades e ajuda a reverter o cenário criminal. “É difícil achar que isso (a queda dos homicídios em SP) não tem nada a ver com o PCC. A evidência comprova, por muitos ângulos quantitativos e qualitativos, que o PCC controlou a violência letal nas periferias de São Paulo”, destacou. Segundo o professor, o fenômeno da ‘governança criminal’ contribuiu, inclusive, para a segurança e até para o crescimento econômico da região. “As pessoas podem trabalhar mais tranquilamente. De certa forma, isso contribui para a economia paulista”.
O promotor de Justiça, Lincoln Gakiya, do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP), uma das maiores autoridades brasileiras no enfrentamento ao crime organizado, dividiu a apresentação com Will Freeman, pesquisador de estudos sobre a América Latina no Council on Foreign Relations (CFR), em uma palestra sobre o PCC e o Crime Organizado Transnacional nas Américas.
Pesquisa inédita e bolsas de doutorado
Durante a abertura do seminário na manhã de terça-feira (24/6), a ESEM fez dois grandes anúncios. O primeiro foi a realização da 1º Pesquisa Nacional da Demanda de Bens e Serviços Ilícitos, que coletará dados inéditos sobre o consumo e a circulação de produtos ilegais e de produtos legais comercializados de forma ilegal no Brasil – como roupas, cigarros, cigarros eletrônicos, bebidas alcoólicas e aparelhos eletrônicos. Com lançamento previsto para o segundo semestre de 2025, a pesquisa visa mensurar a demanda por esses bens e subsidiar políticas públicas no enfrentamento à economia ilegal, que movimenta bilhões de reais por ano.
A instituição também anunciou a abertura de um programa de bolsas de doutorado voltado à investigação sobre o mercado ilícito de cigarros eletrônicos e produtos de tabaco e nicotina, com foco na atuação do crime organizado na região da Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina). Os bolsistas serão responsáveis por coletar e analisar dados sobre o comércio irregular de produtos de nicotina e tabaco, com foco na atuação de organizações criminosas e agentes facilitadores do contrabando, e da circulação de produtos proibidos, falsificados ou contrafeitos. As inscrições poderão ser feitas em breve pelo site da ESEM: Link.
O anuário e o programa de pesquisa serão liderados pelo professor Leandro Piquet, especialista em segurança pública e coordenador da ESEM.
Foto destaque – Giovanni Melillo e o moderador do painel, Alberto Pfeifer / Foto: Alex Sandro