Amazônia e Cerrado possuem 86% da área queimada nos últimos 40 anos
Dados inéditos foram divulgados nesta semana no Relatório Anual do Fogo do Brasil
DA REDAÇÃO – BRASÍLIA
O Cerrado e a Amazônia, juntos, tiveram 177 milhões de hectares queimados pelo menos uma vez nos últimos 40 anos, uma área semelhante ao México queimada em apenas dois biomas. O acúmulo equivale a 86% de toda a área atingida pelo fogo nas últimas quatro décadas. Os dados foram publicados nesta semana de forma inédita no Relatório Anual do Fogo do Brasil com dados da quarta coleção do MapBiomas Fogo de mapas de cicatrizes de fogo do Brasil desde 1985 a 2024, coordenado por pesquisadores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) e outras instituições que compõem a rede.
Na Amazônia, 2024 foi um ano recorde em extensão de área queimada, com 15 milhões de hectares atingidos, um aumento de 85% em relação a 2023 e o maior total registrado desde 1985. Desde então, o bioma já acumula 87 milhões de hectares queimados, o que corresponde a 21% da área total do bioma.
No Cerrado, o aumento foi de 75% em comparação ao ano anterior, com 10,5 milhões de hectares queimados em 2024. No total acumulado desde 1985, 45% do bioma já foi queimado pelo menos uma vez, cerca de 89 milhões de hectares.
Em todo o território brasileiro, o fogo atingiu 206 milhões de hectares ao longo das últimas quatro décadas, o equivalente a 24% do país. Essa área supera o território de países como Irã e Indonésia, e é oito vezes maior que o estado de São Paulo. Somente em 2024, foram queimados 30 milhões de hectares, um salto de 87% em relação a 2023, quando 15,9 milhões de hectares foram atingidos. O total de 2024 ficou 62% acima da média histórica desde 1985.

Figura: Área queimada acumulada em milhões de hectares entre 1985 a 2024 no Brasil
“Embora o desmatamento tenha diminuído, o uso do fogo na conversão florestal e no manejo florestal agropecuário, associado à intensificação de condições climáticas adversas, como períodos mais longos de seca e aumento das temperaturas, tem intensificado os incêndios, tornando-os mais frequentes e resistentes de controle, especialmente na Amazônia. Esse uso do fogo, associado ao avanço da fronteira agrícola no país, tem sido adicionado para a alta incidência de queimadas, especialmente em estados como Mato Grosso, Pará e Maranhão — os três que mais queimaram desde 1985”, destaca Felipe Martenexen, pesquisador do IPAM e coordenador do mapeamento da Amazônia.
O aumento da área queimada também foi distribuído em outras regiões do país. Dos seis biomas brasileiros, quatro registraram alta na ocorrência de fogo em 2024. A Amazônia e a Mata Atlântica, em particular, atingiram a maior área queimada dos últimos 40 anos.
Estados e Municípios
Nos últimos 40 anos, quase metade da área queimada no Brasil esteve equipada com equipamentos em apenas três Estados: Mato Grosso, Pará e Maranhão. Juntos, somam mais de 96,6 milhões de hectares atingidos pelo fogo pelo menos uma vez — o equivalente a 47% de toda a área queimada no país no período.
Os demais Estados que compõem a região do Matopiba — fronteira agrícola formada por partes do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia — completam as seis primeiras posições. No total, os Estados do Matopiba concentram mais de 64 milhões de hectares de acumulados queimados desde 1985.
O recorte municipal também mostra cenários semelhantes à concentração. Apenas 15 municípios, sendo sete localizados no Cerrado, seis na Amazônia e dois no Pantanal, foram responsáveis por 10% de toda a área queimada no Brasil nas últimas quatro décadas. Corumbá (MS) e São Félix do Xingu (PA) lideraram a lista, inclusive no ano de 2024, e são os únicos a ultrapassarem a marca de 3 milhões de hectares queimados cada. Juntos, os 15 municípios concentram 22 milhões de hectares atingidos pelo fogo desde 1985.
Vegetação nativa em chamas
Nos últimos 40 anos, 69,5% das queimadas no Brasil ocorreram em áreas de vegetação nativa, enquanto os demais 30,5% atingiram áreas antrópicas, como pastagens e lavouras. Em biomas como Caatinga, Cerrado, Pampa e Pantanal, cerca de 80% da área queimada correspondem a ecossistemas nativos. Entre os tipos de cobertura mais afetados, destacam-se as formações savânicas, típicas do Cerrado, que foram as áreas naturais mais queimadas nas últimas décadas.
“O Cerrado, embora tenha evoluído com a presença de fogo, enfrenta desafios devido à intensificação dos incêndios nos últimos anos. O Cerrado, impulsionado por práticas aplicadas e mudanças climáticas, tem impactado a capacidade de regeneração natural do bioma. Em 2024, 86% da área queimada no Cerrado foi em localização nativa, tornando urgente a implementação de ações de adaptação climáticas e políticas públicas, como o MIF [Manejo Integrado do Fogo], para mitigar os danos e restaurar a resiliência do Cerrado, protegendo tanto o meio ambiente quanto as comunidades que eles vivem”, comenta Vera Arruda, pesquisadora do IPAM e coordenadora técnica do MapBiomas Fogo.
Em 2024, quase três quartos da área queimada no país (72,7%) ocorreram em áreas de vegetação nativa, enquanto 27,3% atingiram áreas já antropizadas. Esse aumento foi impulsionado principalmente pela alta do fogo em regiões de floresta (formação florestal e floresta alagável), com 7,7 milhões de hectares queimados em 2024 – um salto de 287% em relação à média histórica. No ano passado, pela primeira vez em toda a série histórica, a Amazônia queimou mais floresta do que pastagem. Historicamente, a pastagem era uma classe de cobertura e uso da terra mais afetada pelo fogo no bioma.
Sazonalidade e recorrência do fogo
Os dados da Coleção 4 do MapBiomas Fogo revelam que o uso recorrente do fogo é um padrão no Brasil: 64% da área atingida pelo fogo nos últimos 40 anos foi queimada mais de uma vez. Ainda assim, cerca de 3,7 milhões de hectares foram queimados mais de 16 vezes desde 1985.
O fogo também segue um padrão sazonal marcado pela seca no centro do país. Aproximadamente 72% das áreas queimadas ocorreram entre os meses de agosto e outubro, período em que a vegetação é mais seca e vulnerável. A redução da umidade favorece a propagação do fogo e amplia os danos ambientais, especialmente em regiões como o Cerrado e a Amazônia.