Minha Mãe, a escritora
CINTHYA NUNES
Neste momento em que escrevo, julho de 2025, minha mãe se prepara para o lançamento de seu segundo livro, resultado da reunião de textos esparsos que ela vai deitando ao papel sempre que o coração aperta pela saudade ou se expande pela alegria.
Escritos à mão, em qualquer papel que estiver disponível, ela usa das palavras para expor os sentimentos que vão se acumulando na loucura das horas, preenchendo os vazios das ausências impostas e indesejadas, ou para expressar o amor das palavras que são tímidas para escaparem pela boca ou pelos abraços. Escrever é a sua segunda língua, o refúgio que a acolhe quando o sentido das coisas se esvai.
Se é fato que somos a soma dos nossos antepassados, por certo herdei de minha mãe o amor pela palavra escrita, dotada do mesmo rio de palavras que insiste em verter na direção do mar branco do papel. Não escrevemos, porém, da mesma forma. Como uma caligrafia, cada qual tem seu estilo, seus Aquiles, suas musas, ainda que meu corpo tenha sido talhado no ventre dela e minha alma esculpida no mesmo lugar.
Minha mãe já ultrapassou as sete décadas de vida e o tem feito com beleza e vontade de viver e se reinventar. Prova de que nunca é tarde para virar o leme do barco, para desfrutar da força de novas águas, de que a vida é vida enquanto o for. Sempre que desanimo, que sinto o peso das minhas próprias cinco décadas, espelho não apenas nela, mas em meus pais, que continuam jovens de alma e de propósitos.
Se para deixar sua marca neste mundo é preciso ter filhos, plantar árvores e escrever livros, minha mãe, Elizabeth, Beth para os amigos e familiares, já se eternizou. Plantou florestas, árvores e flores, criou as três filhas, publicou dois livros e, com toda certeza, seguirá escrevendo tantos outros. Além disso, também conquistou a imortalidade literária e simbólica, sendo membro da Academia Linense de Letras.
Amar alguém não é, porém, ignorar falhas, atribuindo-lhe apenas qualidades. Adoração é cega, mas o amor não é. Temos nossas diferenças, não porque nos amemos menos, mas somente porque somos pessoas distintas. Mesmo dentro de uma família que é próxima, que busca manter na terra o liame que se formou em outro plano, cada qual escreve sua história, tem a sua caligrafia única e nem sempre gostamos de todas as linhas narrativas, de todos os argumentos criados.
Como família, no entanto, seguimos construindo uma história que seguirá a despeito de nossa finitude. O enredo prosseguirá escrito e vivido pelos nossos descendentes, com aqueles para os quais, dia a dia, pouco a pouco, vamos transferindo os bastões. Talvez, quem sabe, algum deles se anime pelas letras e prossiga registrando sonhos, medos e esperanças, nas telas do futuro. De uma forma ou de outra, haverá uma cartografia prévia, um caminho a ser trilhado, no qual minha mãe, precursora, para sempre será lembrada.
Mãe, nem sempre quem escreve, como eu e você, consegue transmitir, em palavras ditas, o amor que experiencia. Não quero me arrepender de frases não ditas, não escritas. Como você, preciso delas para existir, mas antes delas, foi você, que me trouxe ao mundo e que segue cuidando de mim, a distância, dentro de sua alma. Amo você mãe, escritora, poetisa, artista, mulher, amiga e, humana.
Parabéns pelo seu novo livro. Registros de uma Vida, sem dúvida, é mais um retrato de sua alma, mas também da existência de todos nós, sua família.
Cinthya Nunes é jornalista, professora universitária, advogada e uma filha amada – cinthyanvs@gmail.com/www.escriturices.com.br