Sem documentos? Saiba como brasileiros reconstruíram sua história familiar para conseguir a cidadania portuguesa
Genealogista conta história de herança cultural resgatada a partir de memórias e documentos perdidos
DA REDAÇÃO – SÃO PAULO
Por causa das ancestralidades, o DNA do brasileiro tem sido considerado como um “mosaico” e, por isso, é o país com a maior diversidade genética do mundo, segundo estudo recente da USP e do Ministério da Saúde. Ao sequenciar o genoma de mais de duas mil pessoas, a pesquisa comprovou cientificamente que a história brasileira é escrita pela miscigenação entre europeus, africanos e indígenas desde os primórdios da colonização.
Por trás dessa riqueza genética, no entanto, escondem-se histórias familiares marcadas por lacunas e esquecimento. Em um país construído por imigrantes, é comum que as gerações mais recentes tenham um passado genealógico fragmentado: um avô que nunca falou sobre a terra natal, uma bisavó que cruzou o oceano e deixou para trás não só um país, mas também sua certidão de nascimento – e com ela, parte da identidade de seus descendentes.
É justamente no resgate dessas memórias perdidas que mora a essência do trabalho de buscas genealógicas – indo além de datas e nomes em documentos antigos, e permitindo a reconstrução da origem de cada um.
Esse processo, porém, nem sempre é linear. “Livros de registro perdidos, antepassados registrados com um nome no Brasil e outro no país de origem, ou mesmo histórias de família que não batem com a papelada oficial são desafios comuns”, destaca o advogado e genealogista Dr. Henrique Filgueiras da Cidadania e Visto, assessoria jurídica especializada em cidadania portuguesa, vistos e buscas genealógicas.
Como no caso de José da Motta Maia. Durante anos, sua família carregava uma certidão brasileira que apontava suas origens portuguesas, mas o registro de nascimento do antepassado não aparecia em Portugal. A história estava prestes a ser dada como perdida, até que uma investigação revelou a peça que estava faltando: ao imigrar para o Brasil, o próprio pai do português havia trocado de nome, de “Ponciano Trenco” para “Manoel Mariano Setúbal”. A descoberta não apenas localizou o registro correto, mas revelou a vontade por reinvenção e recomeço que estava oculta por gerações.
Registros destruídos pelo tempo parecem ser o ponto final. Mas a persistência – e a expertise de quem sabe onde procurar – gera soluções criativas e caminhos alternativos para resgatar histórias que estavam prestes a se perder para sempre.
Foi essa combinação de determinação e conhecimento especializado que fez a diferença no caso da família de José de Carvalho, que após identificar a naturalidade portuguesa do antepassado, deparou-se com a notícia de que os livros de registro da época haviam sido perdidos.
“Durante a busca por documentos que pudessem embasar o processo de restauração de registro em Portugal, encontramos um antigo inventário referente aos pais do português – um documento que prometia ser decisivo para comprovar a naturalidade. Para nossa surpresa, descobrimos que o antepassado havia sido excluído da partilha por não estar vivo à época, e seus filhos também não foram mencionados como herdeiros”, conta Filgueiras.
Mesmo diante desse revés, a persistência da busca permitiu reunir documentos suficientes para embasar o processo, que foi finalmente deferido. “Hoje, a cliente não apenas possui o registro restaurado de nascimento de seu antepassado português, mas já deu entrada no processo de cidadania portuguesa”, complementa o advogado e genealogista.
Para o especialista, essa busca é muito mais que um trâmite burocrático: “encontrar um passaporte antigo ou desvendar um inventário não é só ganhar uma informação. É devolver a alguém sua herança cultural e conectar os pontos de uma trajetória que o tempo tentou apagar”.
