Polícia vai ouvir ex-chefe de gabinete que denunciou vereador por suposta “rachadinha”
Vereador diz que está tranquilo e que mulher mistura “ficção e realidade”; denunciante afirmou que teme pela sua vida
ANTÔNIO CRISPIM – ARAÇATUBA
A Polícia Civil de Araçatuba marcou para terça-feira (28), o depoimento da mulher que registrou boletim de ocorrência no qual cita que teve de devolver parte do salário que recebeu como chefe de gabinete do vereador Damião Brito, em prática conhecida como “rachadinha”. No boletim de ocorrência a mulher cita a existência de arma e até a exibição de vídeo com suposto integrante de facção criminosa. Tudo isso seria para assustá-la. Reafirmou, ainda, que teme pela sua vida. “pela minha integridade física”. O vereador Damião Brito negou a prática de “rachadinha” e disse que a mulher terá de apresentar provas. Além disso, frisou que a denunciante mistura “ficção com realidade”. Negou vídeo com integrante de facção criminosa e confirmou a existência de arma. “Jamais entrei na Câmara com a arma. Ela deve ter visto no meu carro”, disse o vereador.
“Conheci o Damião no dia 5 de setembro, no dia da entrevista para a vaga em que fui indicada para trabalhar com ele. Indicada pelo André, até então o cargo era dele. (Chefe de gabinete). O salário oferecido e dito foi R$ 2.500,00 até então nem comentou que existia ticket alimentação. Falou somente que eu receberia 2500,00. Em nenhum momento ou instante ele falou de rachadinha. Se tivesse dito eu não teria aceitado a vaga, nem teria desfeito de todas as minhas coisas para ficar nesse emprego. Ele apenas disse que às segundas feiras não teria hora para sair devido às sessões e que de terça a sexta seria das 8h às 17:30. Mais nada! Trabalhei oficialmente de 05/09 a 06/10 (dia em que fui demitida por telefone) após retornar de 10 dias de atestado e trabalhar o dia inteiro. Me senti ameaçada em todos os momentos. Nesse quase um mês em que estive nessa vaga/cargo, foi um mês em que eu não dormi, não tive paz, não tive saúde mental, segurança”, citando outras passagens, que ela entendeu ser ameaças físicas. Disse que até mesmo ex-funcionária do gabinete foi citada. “Ficava sempre com esses papinhos. Sem contar que andava armado diariamente, em alguns momentos chegou a tirar da cintura a arma só para mostrar”, acrescentou a mulher.
Segundo a mulher, no dia em que foi questionado sobre os valores reais, colocou dois vídeos no celular dele pelo YouTube onde apareciam membros de uma facção criminosa e me disse: “aqui ó, é meu primo.”
“A denúncia eu quis fazer por ser errado tudo o que ele fez desde o início com todos que trabalharam lá. Mas por medo não fiz. Porém, ao falar com o RH dos motivos pelos quais fui exonerada, eles sem que eu soubesse fizeram a denúncia. Eu soube no dia em que isso saiu em quase todas as mídias. No dia seguinte em que fui exonerada (no dia 07/10) recebi inúmeras mensagens de texto da mulher dele com acusações de ter feito um fake (eu nunca fiz isso) mas era para tentar tirar o foco do erro dele, e também me ameaçando”, enfatizou a mulher.
“Eu me senti usada quando soube da verdade. Me senti conivente, criminosa e cúmplice. Me senti enganada, me senti muito mal, muito mesmo. Me senti errada, mas a minha mãe dizia, não se sinta, o erro foi dele e é dele”, acrescentou a ex-chefe de gabinete, lembrando que “no dia da entrevista ele disse que ganhava R$ 2.500,00, mas quando fui dias depois abrir a conta salário para receber meu pagamento, a gerente me informou que seria melhor eu fazer uma conta corrente pois a salário não me daria direito a pix nem aplicativo e como meu salário era alto demais, eu teria que agendar com no mínimo três dias de antecedência o saque”. A denunciante teria se espantado com a informação. “Eu falei como assim alto? Não entendi!!! Ela disse, sim, a senhora ganha quase R$ 13 mil, o banco não lhe pagará esse montante sem aviso prévio pois não ficamos com muito dinheiro na agência. Nesse momento eu passei mal, fico totalmente sem pernas, incrédula…Tanto que esqueço minha bolsa dentro do guarda volumes e vou embora de volta para a câmara para tirar satisfação com ele”, enfatiza.
De acordo com a denunciante, quando o vereador retornou do almoço e o questionou, segundo ela, a resposta foi direta: “INDEPENDENTE DO VALOR QUE VOCÊ GANHAR, É MEU. MESMO SE FOSSE 50 MIL, É MEU!” (sic).
A mulher descobriu que também tinha direito ao ticket alimentação. “Quando o cartão chega e o rh me chama lá em cima para buscar, falei: Damião você não me falou nem que tinha um ticket de quase R$ 1.100,00 não tem como isso! Eu não sabia que eu ganhava tudo isso, você não foi transparente comigo, se você tivesse me dito eu não teria aceitado. Aí ele diz: vamos fazer o seguinte, não é o certo, NÃO É O CORRETO, mas eu te pago então R$ 2 mil e você fica com o ticket. (2 mil mais o ticket). E o restante entregar pra ele, dentro de uma sacola, onde ele combinasse no dia do pagamento”, acrescentou a denunciante.
“No dia do pagamento eu estava em casa de atestado porque estava doente, ele me ligou e pediu pra eu levar até lá. Eu com medo pensei em pegar um uber e levar, mas não achei justo além de estar doente, ter que levar meu salário pra ele e ainda pagar o uber do meu bolso pra isso. Mandei ele vir buscar. Na mesma hora ele disse: passa o endereço e veio. Ele, a mulher dele e a sogra. Pegou a sacola aqui, em frente ao meu prédio e foram embora. Nesse dia nem água eu consegui tomar, vomitei o dia inteiro, chorei muito, acabou com o meu emocional essa situação desconfortável”, lamentou a mulher.
A mulher recordou também como foi a sua saída. “A saída foi assim. Eu voltei na segunda feira do atestado, trabalhei o dia inteiro. Quando foi 17h30 ele me liga (eu estava dentro da sala do procurador da câmara falando com ele – Dr Paulo) quando eu atendo ele me disse que eu não havia me adaptado e que eu estaria sendo dispensada. Na hora, eu comecei falar todo o horror que ele fez ali mesmo na ligação, na frente do dr Paulo. Após desligar fui acolhida pelo dr Paulo que me viu em um estado desolada e muito nervosa. Eu chorava de soluçar, tremia muito, porque estava vivendo aquela situação deplorável em todos os sentidos, usada, enganada e etc”, concluiu a denunciante que será ouvida pela polícia na terça-feira.
O OUTRO LADO
“Tomamos conhecimento do referido boletim de ocorrência apenas pela imprensa.
Até o momento, não houve qualquer intimação ou comunicação oficial por parte das autoridades competentes.
Trata-se, portanto, de um registro unilateral de relato, desacompanhado de provas, que não configura denúncia formal nem implica qualquer imputação criminal. O vereador reafirma seu comprometimento com a legalidade e o respeito às instituições, e informa que, quando formalmente intimado, prestará todos os esclarecimentos necessários, colaborando integralmente com eventuais apurações”, diz nota distribuída pelo gabinete do vereador Damião Brito.
Por telefone, o vereador negou todas as acusações feitas pela mulher e disse que ela precisa de acompanhamento médico, “pois está misturando ficção e realidade”. Damião Brito afirmou, também, que em conversa com a mulher, ela teria revelado alguns distúrbios psicológicos (falar em suicídio, homicídio) e que a demitiu exatamente temendo que pudesse acontecer alguma coisa em seu gabinete. Damião disse que a mulher precisa apresentar provas de tudo que disse.
POLÍCIA
Uma fonte da Polícia Civil confirmou que o depoimento da mulher está marcado para terça-feira. Ela será ouvida por um delegado de polícia lotado na Delegacia Seccional de Polícia.
MINISTÉRIO PÚBLICO
A reportagem do portal Nossa Cidade (nossacidade.online) questionou o Ministério Público do Estado de São Paulo por meio da assessoria de imprensa, sobre possível procedimento para apurar a eventual “rachadinha” em Araçatuba. A resposta foi direta:
“O MPSP por meio da Promotoria do Patrimônio Público de Araçatuba informa que, até o momento, não ter recebido nenhuma denúncia quanto ao fato e portanto não há nenhum procedimento instaurado”.
CÂMARA MUNICIPAL
A reportagem procurou também a Câmara Municipal de Araçatuba para saber como está tratando a questão.
“Informamos que esta Presidência encaminhou à Corregedoria desta casa, em 14 de outubro de 2025, mensagem recebida através do celular corporativo da Área de Recursos Humanos da Câmara, com o relato de situação que poderia configurar prática de ato contrário à legislação. O processo está na Corregedoria para prosseguimento, na fase de oitivas e análise das mensagens enviadas. Após isso, a referida Corregedoria tomará as decisões que julgar cabíveis”.
EX-FUNCIONÁRIOS
O gabinete do vereador Damião Brito foi um dos que mais trocou funcionários neste primeiro ano de mandato, o que pode ser entendido como fato normal para adequação aos métodos de trabalho. A reportagem conseguiu manter contato com dois dos ex-funcionários. A princípio disseram não querer falar sobre o assunto com a imprensa e ainda não receberam qualquer comunicação da corregedoria da Câmara, que em tese, deve procurar ouvi-los.
O QUE É RACHADINHA
Rachadinha ou desvio de salário de assessor é a prática de corrupção caracterizada pelo repasse de parte dos salários de assessores para o parlamentar ou secretário a partir de um acordo pré-estabelecido ou como exigência para permanecer na função. Há casos em que até mesmo pessoas indicadas pelo parlamentar para cargo no executivo, também têm de dividir o salário. Do ponto de vista penal, a “rachadinha” não é um crime tipificado com este nome no Código Penal. O termo é uma expressão popular para um esquema ilegal que, dependendo da forma como é praticado, pode ser enquadrado em diferentes crimes contra a Administração Pública. O entendimento sobre o enquadramento penal da prática ainda é discutido nos tribunais.
HISTÓRICO EM ARAÇATUBA
Com diferentes nomes – rachadinha é o mais atual devido ao caso do então deputado estadual do Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro -, a cobrança de parte dos salários de apaniguados políticos é antiga em Araçatuba. Um vereador já chegou a ser condenado pela prática. Em alguns momentos o assunto é falado abertamente pelos corredores. Há ainda vereador que exige apenas que o assessor faça doações a entidades e instituições. Há pouco mais de dois anos, ao discutir aumento salarial dos assessores, um experiente vereador chegou a falar em “aumento do nosso salário”.
CASSAÇÃO EM ARARAQUARA
Em Araraquara, o vereador Emanoel Sponton (PP), teve o mandato cassado este ano pela prática de rachadinha. Ele está tentando, na Justiça, anular a decisão do Legislativo que cassou o seu mandato. Busca provar uma falha processual para anular o Decreto que cassou o mandato. Porém, já tinha feito acordo de “não persecução civil” com o Ministério Público, no qual reconheceu expressamente a prática da rachadinha e aceitou as consequências jurídicas e políticas do fato.
