A seca na seara dos valores
GAUDÊNCIO TORQUATO
O processo civilizatório se assemelha a uma régua que mede a evolução de costumes, princípios e valores, avanços e retrocessos. A régua está a mostrar, hoje, uma era de retrocessos, com a decadência moral (a libertinagem), a regressão social (as novas gerações são menos respeitosas ou educadas do que as anteriores), a perda de valores e a crença de que princípios como família, autoridade e religião estão sendo enfraquecidos.
Nem sempre ocorrem mudanças que emolduram a grandeza do homem, principalmente ante a paisagem de devastação que flagra a crescente litigiosidade entre seres e nações, a desvairada competividade no campo dos negócios e empreendimentos, a luta acirrada entre grupos, alas e até credos religiosos, cada qual com a ambição de brilhar na galeria dos maiores e melhores. O evangelismo subiu ao palco do espetáculo. A política acende a chama da polarização, sob a velha bandeira da luta de classes, como se constata na peroração eleitoral do presidente Luiz Inácio, que volta a bater no surrado refrão do “nós contra eles”.
Apesar de certos avanços fluírem sob a teia de pesquisas científicas em muitas áreas, como as ciências biomédicas, a inteligência artificial, a agricultura, a maquinaria produtiva, é inegável que, no sagrado nicho dos valores, a Humanidade vê arrefecido seu ideário de valores éticos.
A ambição, a luta do poder pelo poder, a inveja, a mentira, as falsidades que campeiam e impregnam a interlocução entre as pessoas, enfim, a ideia de que se deve tirar proveito de tudo, constituem, entre outros, os braços que puxam o planeta para o seio de nossa ancestralidade. Olhe-se para esse mundo que dá adeus à ética. Olhe-se para a ética do governo de Donald Trump, amplamente debatida e criticada por especialistas, órgãos de fiscalização e opositores. O império Trump – pasmem! – cobra do governo Trump compensação equivalente a R$ 1,2 bilhão por investigações contra ele. Segundo o ‘New York Times’, a situação não tem paralelo na história dos EUA. Muitos dos funcionários do Departamento de Justiça responsáveis por aprovar os pagamentos foram indicados pelo republicano e atuaram como seus advogados. O caso envolve conflito de interesses, o uso da presidência para ganho pessoal e o enfraquecimento de normas e instituições éticas.
A educação era um monumento de grandeza. Os pais lutavam, suavam, apuravam seus recursos para formar os filhos. Os recursos não eram investidos em bolsas de valores. Eram guardados em velhos e pesados cofres ou sob o colchão. Formar um filho, dar a ele a educação para enfrentar os desafios do futuro, compunha o sonho dos chefes e família. Orgulhavam-se de sua família bem-educada, bem instruída.
O educador era uma referência. De saber, de grandeza, de boa orientação, de conjunção de valores. Os professores realizavam seu labor com grande senso de responsabilidade, cobrando dos discentes disciplina e rigor no cumprimento das tarefas.
Belo exemplo de educador. Que não tinha intenção de punir, mas a de transmitir o legado de consideração pelo outro. Uma aula de Dignidade. Que cai bem nesses tempos de acusações recíprocas, de falsidades, de ódio, de guerras fratricidas. Somos um mundo cheio de carências materiais. A fome ataca e ainda mata milhões. Mas a fome espiritual, essa que esvazia nossos sentimentos, destrói nossa seara de valores, ataca grupos e classes, com foco mais forte nos habitantes de cima da pirâmide social, movidos pelo impulso da ambição. Qual a razão? A vontade de poder. Nietzsche escreveu sobre “A vontade de poder”. Após sua morte, a irmã Elizabeth publicou uma coletânea de notas inéditas. Ali se lê: “Você quer um nome para este mundo? Uma solução para todos os seus enigmas? Este mundo é a vontade de poder – e nada além disso! E vocês também são essa vontade de poder – e nada além disso”.
Essa vontade, no meio da crise que a democracia vive na contemporaneidade, expande a era dos extremos, dos conflitos e da radicalização.
